20 de fevereiro de 2006

Capote, Sob o Domínio do Medo e Sam Peckinpah



Hoje seria a vez do rei da violência no cinema, Sam Peckinpah, completar 81 anos de vida, mas infelizmente, o rapaz partiu dessa para uma melhor (ou pior) em 1984. E como hoje é dia de crítica, e nóis num somo besta nem nada, segue abaixo a resenha de um dos seus melhores filmes, junto de um indicado ao Oscar.



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Capote

e 1/2

EUA, 2005. DE Bennett Miller. COM Philip Seymour Hoffman, Catharine Keener, Clifton Collins Jr., Chris Cooper, Bruce Greenwood. 98 min. Columbia DRAMA

Meses antes de Capote estrear nos Estados Unidos, o burburinho era alto como num buteco carioca em plena sexta-feira de verão. Alto. Bastante alto. Críticos especiais, convidados por pessoas mais especiais ainda, pregavam a palavra de ordem em relação à obrigatória indicação de Philip Seymour Hoffman ao Oscar. Quando o longa finalmente estreou, não houve quem dissesse o contrário. Tirando algumas raras associações de resenhistas, Hoffman e seu retrato intenso do escritor Truman Capote eram cartas certas nos baralhos das premiações.

Assisti à trama no conforto do meu lar, e devo dizer: o estreante Bennett Miller soube focar bem a trama do filme e capturar todas as facetas polêmicas e geniais de seu retratado. E isso se deve ao fato de Capote não ser a biografia completa do autor, mas a captura dele duraente a realização e pesquisa de À Sangue Frio, livro que cimentou o conceito de literatura jornalística nos Estados Unidos.

A fita não é hermética como se esperava. Quem nunca leu a obra de Capote pode digerir com facilidade a história do escritor que sai de Nova York para uma pequena cidade do Kansas para investigar a morte de toda uma família de classe mpedia alta – sempre acompanhado de Harper Lee (Keener), antes da fama de To Kill a Mockingbird. Na verdade, a investigação não é sobre quem foram os culpados (dois jovens capturados poucas horas depois), e sim acerca de quem eram os culpados e suas vítimas. Nessa caminhada, conhecemos um pouco sobre Truman, que se vê em um dos assassinos (“É como se tivéssemos crescido na mesma casa. E um dia ele saiu pela porta dos fundos e eu saí pela frente.”) e sua pesquisa se torna cada vez mais complexa e aparentementem pessoal. Há flashes do escritor meticuloso, do sujeito arrogante, do investigador objetivo, do homosexual histérico e do palestrante cativante. Não é qualquer ator que conseguiria capturar tamanhos extremos. Mas Philip Seymour Hoffman não é um ator qualquer. Nem Capote diria o contrário.
Por Felipe Mappa


Sob o Domínio do Medo



Straw Dogs, EUA/ING, 191. DE Sam Peckinpah. COM Dustin Hoffman, Susan George, Peter Vaughan. 118 min. Europa SUSPENSE

A incursão de Sam Peckinpah ao território do suspense, gerou um dos filmes mais sufocantes e surpreendentes do gênero. O roteiro enxuto de David Zelag Goodman e do próprio Peckinpah (baseado em um livro de Gordon Williams), constitui de uma estrutura narrativa lenta, mostrando a convivência do casal David e Amy. Dustin Hoffman, que vive David, é um matemático americano que resolve se mudar para a Inglaterra com sua esposa (Amy, Susan George), que é inglesa. Nesse novo local, uma casa de fazenda aparentemente tranqüila, David pretende escrever um livro e resolve reformar a garagem da casa. Logo no início, somos apresentados a alguns personagens e descobrimos até a existência de um sujeito que foi namorado de Amy no passado. Tomamos conhecimento também, de uma história secular (porem de grande importância para o entrecho) de um deficiente mental que se envolve com uma garota cujo pai jurou de morte o pobre idiota se ele se aproximasse dela.

Para trabalhar na reforma da sua garagem, David contrata um bando de preguiçosos que passam a invadir a privacidade do casal. Entre eles, ninguém menos que o ex-namorado de Amy. A situação sai totalmente de controle quando o bando consegue convencer David a sair de casa e os vagabundos têm total liberdade para entrar na casa e se aproveitar de Amy. A convivência do casal torna-se difícil (apesar da ignorância de David, pois Amy não conta o ocorrido). A incomunicabilidade é constante de ambos os lados. David cada vez mais se dedica somente ao seu trabalho e Amy acaba ficando de lado. Tudo isso é mostrado com muita calma pelas câmeras de Peckinpah, preparando o terreno para o que está por vir. Para que o choque seja maior.

Durante uma festa na igreja da cidade, o idiota deficiente mental sai com a garota proibida pelo pai. Essa sua aventura é o motivo que cria tragédias atrás de tragédias. Ao saber que o pai da garota o está procurando, o pobre idiota (só consigo chamá-lo assim) foge e acaba atropelado por David. Este o leva para casa e quando se dá conta, está totalmente cercado pelo pai e todo aquele bando de vagabundos (inclusive os homens que estupraram sua esposa) querendo que lhe entregue o idiota. David, sua mulher, e o idiota atropelado ficam sozinhos confinados em sua fazenda pelo cerco de mal feitores sedentos de sangue.

Deste ponto em diante, o filme se resume em uma só palavra: tensão. Peckinpah cria uma atmosfera claustrofóbica enquanto Dustin Hoffman defende sua casa com todos os recursos que possui contra a invasão. Esqueçam a lentidão narrativa do filme. Peckinpah, numa elogiável direção, impressiona o público com a violência sangrenta e selvagem bem ao estilo que ele próprio criou. Claro que o filme foi proibido durante muitos anos pelo governo britânico, porque é, indiscutivelmente, a obra mais forte e densa de Sam Peckinpah. Uma belezura!
Por Ronald Perrone