17 de maio de 2007

Dias Selvagens

Dias Selvagens



A Feiz Zheng Chuan, Hong Kong, 1991. DE Wong Kar-wai. COM Maggie Cheung, Leslie Cheung e Andy Lau. 94 min. Pandora Filmes. DRAMA.

Levando em consideração o sucesso de 2046 - mais recente filme de Kar-wai - faz todo sentido a descoberta, ainda que tardia, de Dias Selvagens, segundo longa do diretor chinês, e que aportou oficialmente em terras tupiniquins em janeiro desse ano. Na época do lançamento, as expectativas em Hong Kong sobre a fita eram enormes, dada a bem -sucedida estréia do diretor com As Tears Go By, de 88 - um filme de gângster. O longa foi um fracasso. Curiosamente as razões do insucesso - o ritmo peculiar e a maneira de intercalar histórias sem relação narrativa direta - foram as características que viriam a fazer de Kar-wai o grande nome do circuito internacional que é hoje. De fato, Dias Selvagens pode ser visto como um pequeno tratado precoce dos temas e formatos narrativos que Kar-wai usaria posteriormente em seus filmes. Se por um lado nos é possível visualizar ali as várias narrativas que se cruzam, é também facilmente reconhecível o estilo que se tornou marca registrada do cineasta: o trabalho fantástico com cores básicas que saltam aos olhos, a filmagem em planos de estética contruídos de forma única e arrojada, e a nostalgia que emana tanto do trabalho de direção de arte e figurinos, quanto da trilha sonora com clássicos dos anos 50.

As histórias de amores de Dias Selvagens giram em torno de Yuddy (o polêmico e talentoso Leslie Cheung, que se suicidou em 2003), um playboy misógino e auto-centrado. São protagonistas delas: a inocente Su Lizhen (Maggie Cheung), balconista de um estádio , e a temperamental Mimi (Lau), dançarina de cabaré. Mimi crê piamente ser a única mulher capaz de domar o espírito de Yuddy, que acaba de sair dum relacionamento frustrado com Su - que por sua vez ainda tenta se recuperar do "tombo". Em contrapartida, Mimi não parece que irá se sair melhor, especialmente quando Yuddy descobre não ser filho de quem ele pensava ser, e do fato de sua mãe adotiva se recusar a divulgar o nome da verdadeira. Yuddy - com seu comportamento frente às mulheres justificado por ter sido criado por uma prostituta -, perde seu centro, sua estrutura, e agora orbita sozinho em torno desse pólo invisível, novo. Sua obsessão acaba se tornando sua mãe – como Su Lizhen torna-se a obsessão do policial Tide (Lau) e Mimi, a obsessão de Zeb (Jacky Cheung), único amigo de Yuddy.

O mais importante, no entanto, é a presença quase que sufocante do tema 'amor não realizado' - e aí talvez Dias Selvagens seja o longa mais radical do diretor. Nenhuma das histórias que o filme conta (numa estrutura que chega a lembrar Quadrilha, de Drummond, com um personagem que ama outro que ama outro...) parece jamais caminhar pruma possibilidade minimamente realizável de relação amorosa. Mas do que um pessímismo, o que vemos no cinema de Kar-wai é uma, digamos, idealização (inclusive estética) desse sofrimento por amor, algo que aproxima seus filmes de um ideal romântico do século 19, como se a maior expressão de nobreza permitida ao ser humano fosse sofrer pelo sentimento irrealizado. O cinema de Kar-wai é, antes de qualquer coisa, uma luta (embora perdida) contra a passagem do tempo, e não por acaso essas são as duas obsessões dos personagens em Dias Selvagens: capturar o sentimento de um momento específico e lutar para não ser esquecido pelo outro. "Prefiro ser odiada a ser esquecida", fala uma personagem. Com essa fita, definitivamente, Kar-wai carimbou o visto de lembrança vitalícia de sua obra na história do cinema. Imperdível.

por felipe
ao som de love or confusion, jimi hendrix.