28 de janeiro de 2011

Black Swan


Black Swan (Cisne Negro, de Darren Aronofsky, 2010)

Pensando aqui com os meus botões... o balé não é tão diferente da luta livre, não é mesmo? Os dois são meticulosamente coreografados, exigem um enorme esforço físico e possuem o estranho poder de destruição – e talvez a única diferença seja que o primeiro possui artistas fisicamente menores e quase sempre uma música muito melhor. E é quase impossível não assistir ao novo filme do diretor Darren Aronofsky, Black Swan -- um thriller fantástico sobre os bastidores de uma companhia de ballet profissional em Nova York --, como um complemento para o seu último filme, The Wrestler – o ótimo melodrama sobre os bastidores das competições de luta livre --, tendo Natalie Portman atuando como uma versão pocket de Mickey Rourke (apenas na questão física, que fique claro).

Visualmente falando, Black Swan também possui muito de seu irmão mais velho: a hand-cam, a fotografia granulada em 16mm, o uso freqüente da câmera nas costas, sempre acompanhando os movimentos de seu protagonista, assim como o olhar voyeur, e as partes de um desempenho que quase nunca é mostrado: as dores insuportáveis, as lesões, o sofrimento -- figuras que são uma constante nos bastidores de produções desse tipo. Existem também semelhanças temáticas evidentes, como a obsessão do indivíduo pela realização de uma performance perfeita. Mas, no caso da Nina de Natalie Portman -- retirada das bases da companhia para ter a chance de dançar o papel principal de A Rainha dos Cisnes em O Lago dos Cisnes, de Tchaikovsky --, fica mais que evidente que é a sua mente seu principal inimigo, não o seu corpo.


Aronofsky cria um tipo de representação visual de medo do palco e de ansiedade do desempenho que toma corpo. E não bastasse tudo, Nina ainda tem de lidar com o estresse a bombardeando de todos os lados. E não falo só de sua mãe (Barbara Hershey, poderosa), absurdamente controladora, que desistiu de sua própria carreira como dançarina para erguer a da filha -- e faz questão de nunca deixá-la esquecer disso. O diretor artístico da companhia de balé, Thomas (o sempre ótimo Vincent Cassel), é também um ser bastante desprezível: um mulherengo francês que se diverte colocando a doce bailarina em situações desconfortáveis, tanto para desbloquear o lado sedutor dA Rainha dos Cisnes, o Cisne Negro do título, mas talvez, antes de tudo, para o seu próprio deleite. E aí, Lily (a linda e talentosa Mila Kunis), a bailarina baladeira, recém-chegada de São Francisco, aparece com a missão de servir de trampolim para Nina, já que a nova rival consegue expor as deficiências técnicas da protagonista por deter o tipo de sensualidade crua que a personagem de Portman teima em não deixar transparecer.

O filme é uma pequena obra-prima de crescente tensão; e é justamente dessa forma crescente e lenta (na medida certa, sem nunca se arrastar) que Aronofsky começa introduzindo seus vários dispositivos de indução ao horror: o rápido flash de um vulto em um espelho e que não deveria estar lá, o reflexo do rosto transfigurado da protagonista, cheio de olhares fugazes, a aparente deterioração física, como uma unha quebrada ou a misteriosa série de arranhões no ombro. E o diretor monta meticulosamente cada cena que envolve esses elementos, alçando tudo a um patamar maior, como um compositor que usa a sua música para dar o tom do clímax dramático. E já que falei de música, Aronofsky usa de forma sublime toda a carga dramática existente na obra original de Tchaikovsky para pontuar a própria estrutura do filme.


No papel principal, Portman nos presenteia de forma visceral com uma queda vertiginosa em direção ao insano. Há momentos em que torna-se difícil dizer onde realidade se mistura com ficção, tamanho o domínio do material que Portman detém. Tomando para ela mesma os conselhos do personagem de Cassel à Nina, a atriz entrega-se de corpo e alma a sua personagem: primeiro incorporando o tímido ‘lado branco’ com tanta proeza que a vontade que temos é a de sacudi-la na tentativa de persuadi-la a assumir algum controle ao invés de ser empurrada por todos os outros; para no final assumir de forma sublime o lado traiçoeiro e sensual do cisne negro. A atriz decidiu também por não usar substitutos em suas cenas de dança, fazendo ela mesma, e (para os olhares menos treinados) de maneira sempre competente.

Quando Nina não consegue mais enxergar volta na loucura completa, o filme torna-se um sinistro labirinto de espelhos (um ‘personagem’ sempre constante). Aronofksy sente prazer em misturar doses altas de horror psicológico à carga melodramática inerentes à historia, nos mantendo presos a todo o instante. A tensão, a música, o fio vivo da ansiedade do desempenho perfeito que conclui o filme, conversam de igual para igual com nossos medos e neuroses mais arraigados. E pode até parecer um pouco de exagero, mas se assim como Nina, você permitir-se entregar, o efeito é excitante -- uma das experiências mais psicologicamente acachapantes que eu já tive, colocando no chinelo qualquer outra que tenha tido o mesmo propósito.

Sem medo algum de errar, Black Swan é um dos melhores filmes do ano, e o meu favorito entre os indicados ao Academy Awards.