15 de outubro de 2011

Akmareul Boatda (aka I Saw The Devil) + Mayer Hawthorne


Eu gosto de terror. E assistindo a filmes produzidos em partes diferentes do globo, a gente acaba notando uma nítida diferença cultural na forma como a violência e o terror são usados a favor (e às vezes contra) da história que está ali para ser contada. No Japão parece um ato rebelde contra a cultura tímida e comportada; em Hong Kong é um atestado de estilo flamboyant; agora, na Coréia é quase sempre sobre a natureza destrutiva da violência e como ela pode prejudicar os dois lados de um conflito, o que talvez seja apropriado para um país dividido em dois.

I Saw the Devil junta a história de um serial killer com um conto de vingança. Não alcança a complexidade emocional ou nível de tragédia shakespeariana da trilogia de Park Chan Wook, mas o diretor Kim Jee Woon consegue transformar o seu filme numa pequena epopeia perturbadora sobre a escuridão da alma humana. Aliás, a referência filosófica do filme fica por conta de Nietzsche: "Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar-se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você." E é aí que o título sugere uma reviravolta na dinâmica no filme. Kyung-chul é a personificação do diabo, e ele, claro, não inspira a nossa simpatia. E a violência de um monstro como Kyung-chul é capaz de cegar um bom homem a ponto de fazê-lo esquecer de sua própria humanidade. Jee-woon cospe em nossa cara, sem dó nem piedade, a linha tênue que separa o bem do mal.  E num país curtido pela guerra, com famílias divididas e desmanteladas, o filme de Kim sugere que a pior maneira de se curar a dor e a perda é a vingança – o que pode não parecer tão efetivo.

O plano de vingança prolongado de Soo-hyun acaba impedindo a polícia de prender o verdadeiro assassino. E ainda assim, com Soo-hyun no calcanhar, Kyung-chul continua seu reinado de terror, matando novas vítimas e exigindo um preço adicional demasiadamente alto - "... sangue pede sangue".

Numa época em que filmes de serial killer se mostram quase sempre chatos e descartáveis,  I Saw the Devil é um sopro forte de vigor. E eu não falo só de violência e criatividade – falo de um filme que já nasceu clássico.


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A galera entendida torceu um pouco o nariz quando soube do êxodo do artista: Hawthorne migrou do selo indie Stones Throw Records (com um cast de dar inveja) para Universal Republic Records (o braço indie da poderosa Universal, o mesmo selo da finada Winehouse). Para os de pouca fé, Hawthorne manteve a alma soul de A Strange Arrangement. A pitada de amargura e o estado de êxtase sonoro incessante e em "no strings" dão o tom do disco. Ainda que causando algum tipo de discussão, ou te fazendo pensar durante uma noite inteira, a música de Mayer Hawthorne consegue ser envolvente e charmosa, nunca chata ou ruim.  Seu primeiro single, The Walk, já nasceu clássico - prova cabal de que se consegue ser radiofônico sem precisar apelar, com qualidade.


Fino e soulful, Hawthorne mantém o seu OG com How Do You Do, graças à Deus. E fica a dica: da próxima vez, tenhamos um pouco mais de fé.


Serviço:


How Do You Do (2011)


01. Get To Know You
02. A Long Time
03. Can’t Stop (ft. Snoop Dogg)
04. Dreaming
05. The Walk
06. Finally Falling
07. Hooked
08. Stick Around
09. The News
10. You Called Me
11. You’re Not Ready
12. No String