31 de janeiro de 2006

Caché e Hotel Ruanda

Caché



Caché, França, Áustria, Alemanha e Itália, 2005. DE Michael Haneke. COM Daniel Auteuil, Juliett Binoche, Maurice Bénichou, Lester Makedonsky. 117 MIN. Les Films du Losange. DRAMA

Já nos créditos iniciais, o diretor austríaco Michael Haneke, faz uma demonstração de como ser original sem muito esforço. O único esforço que ele parece fazer é tornar as coisas muito simples, ao ponto de incomodar. A câmera enquadrada na casa de George e Anne é o nosso ponto de vista e simultaneamente, o ponto de vista dos próprios protagonistas. Dessa forma, somos convidados a acompanhar alguns momentos da vida de uma família da classe alta francesa.

O cinema de Haneke é muito autoral. Não se consegue distinguir qualquer influencia do diretor. Talvez, alguma coisa de Stanley Kubrick, mas nada que se possa apontar com clareza. Em cada filme, enquanto tantos diretores tentam criar novos conceitos, estilos, detalhes estéticos, novas linguagens, como Lars Von Trier, por exemplo, (não que isso seja negativo, já que, eu, particularmente, prefiro Lars Von Trier), o cinema de Haneke parece voltar no tempo. Haneke faz tudo da maneira clássica, e é esse detalhe que torna seus filmes mais elegantes e extremamente realistas.
Andam dizendo que Caché (2005), é seu filme mais acessível. Talvez seja mesmo, mas não deixa de manter a mesma qualidade dos filmes anteriores. Haneke sempre foi um diretor maduro quando iniciou sua carreira no cinema (já com certa idade), e em Caché não deixa de manter a identidade de sua mise en sene, como a simplicidade na composição de cenas, o controle sobre os atores em longos planos seqüências, a ausência de trilha sonora e é claro, deixar em aberto muitas lacunas para que o público reflita e preencha os espaços vazios. Sendo assim, fica uma duvida quanto à acessibilidade do filme. Talvez seja a presença de dois grandes atores do cinema francês, Daniel Auteuil e Juliett Binoche, vivendo papeis do casal já citado, George e Anne, e que, no filme, têm um filho de doze anos. A trama do filme é em cima da reação da família após o recebimento de algumas fitas de forma misteriosa, contendo gravações da sua casa (o mesmo enquadramento dos créditos iniciais) e desenhos bizarros. A trama lembra bastante os filmes de suspense e isso deve atrair um bocado de gente nas salas de cinema. Aqueles que estão acostumados com Hollywood vão acabar se arrependendo esperando soluções que o filme não proporciona.

Não vale muito a pena dissertar sobre a trama. É importante o espectador descubra cada fragmento de película; cada situação vivida pelos personagens, cada descoberta ou não descoberta, e a dialética que o filme faz. Haneke sempre abriu espaço para criticar algum detalhe social/político/econômico nos seus filmes. Mesmo que de forma muito sutil. Caché explora o lado da formação de um cidadão. A importância de uma boa infância e as conseqüências que pode se resultar de uma má criação ou trauma infantil. Nada disso é gratuito. A dialética de Haneke não é gritante nem expõe demais, apenas cochicha no seu ouvido.
Por Ronald Perrone


Hotel Ruanda



Hotek Rwanda, África do Sul, Inglaterra, 2004. DE Terry George. COM Don Cheadle, Sophie Okenedo, Nick Nolte, Jean Reno. 121 min. DRAMA.

Sabem aqueles ótimos filmes que, logo após o final, deixam uma desagradável sensação de culpa no espectador? Então. Faz ele se sentir mal por ter, de uma ou outra maneira, se omitido a respeito do que viu. Como Gritos do Silêncio e Um Grito de Liberdade, Hotel Ruanda também passa esse sentimento. Claro que a maior parte do público não poderia ter feito absolutamente nada para impedir os fatos relatados. E nesse caso, mal ficamos sabendo do que aconteceu em 94, tamanha foi a discrição da mídia a respeito. O longa expõe a luta obstinada de um homem para salvar vidas durante o conflito civil em Ruanda, que em cerca de 100 dias tinha causado aproximadamente um milhão de mortes. Tudo em decorrência de posturas étinicas divergentes. Uma luta fraticida entre hutus e tutsies que se intensificou logo após o assassinato do presidente do país. A brutalidade se instala na capital, Kigali, onde o hutu Paul Rusesagagina (o excelente Cheadle, em atuação inspirada), casado com uma tutsi (Okonedo), se preocupa inicialmente em salvar a família. Depois, essa atitude arriscada e involuntariamente heróica se amplia e alcança uma centena de pessoas que ele acomoda no Mile Collines, o luxuoso hotel belga do qual era gerente. Ao mesmo tempo em que clama diante da ausência de uma ajuda mais efetiva por parte dos militares da ONU, Paul tenta ganhar tempo visando retirar dali o maior número de pessoas possível. Por isso, passa a contemporizar com os líderes dos algozes usando meios que dispunha (inclusive bebidas importadas como suborno). Essa luta individual que em outras mãos poderia propiciar uma aventura triunfalista, rendeu um filme autenticamente político que jamais resvala na retória bombástica, na análise de valores. Nada surpreendente tendo em vista qye seu diretor e roteirista, Terry George, se fez notar em 93 como co-roteirista de Em Nome do Pai, clássico pela luta entre os ingleses e o movimento IRA na Irlanda contemporânea. Continuando fiel às suas preocupações com as conseqüências das guerras internas, e sem detalhar a violência de certas situações, esse irlandês obstinado e humilde na forma, fez de Hotel Ruanda um relato vigoroso e tocante de um genocídio esquecido ou ignorado pelo ocidente. Uma proeza.
Por Felipe Mappa