14 de junho de 2010

I Love You Phillip Morris!


(O Golpista do Ano, de John Requa e Glenn Ficarra, 2010)

O filme começa com uma declaração: as palavras "Isto realmente aconteceu" saltam à tela. E então, só pra ter certeza de que você tem a certeza de que está prestes a assistir uma das mais improváveis cinebiografias dos últimos tempos, Requa e Ficarra, que juntos escreveram e dirigiram o filme, acrescentam: "De verdade". Baseado no livro homônimo do então repórter americano do Houston Chronicle, Steve McVicker, I Love You Phillip Morris! esmiuça a trajetória de uma lenda prisional americana. A versão em celulóide é um pouco mais ácida e crua. O resultado é um romance (e não uma sátira ou um conto pervertido) estranhamente interessante -- um dos mais românticos e mais inspiradores dos últimos anos.

Nos primeiros dez minutos a fita possui um desenrolar quase frenético: após o jovem Steven descobrir que é adotado (numa cena impagável), ele decide ser o melhor em tudo o que fizer. Cresce, torna-se polcial na Geórgia, casa-se com Debbie (a ótima Leslie Mann), com quem tem dois filhos, além de outras características bem aceitas pela nossa sociedade cristã-heterosexual. Fazendo uso de suas regalias, ele se infiltra nos computadores da polícia pra descobrir o paradeiro de sua mãe biológica, e ao ser rejeitado por ela entra em parafuso. Se envolvendo em um acidente, Steven sai dali jurando nunca mais viver uma mentira. É exatamente neste ponto que os roteiristas tratam de descontruir o personagem de Carrey: Steven é gay ("gay, gay, gay, gay, gay", como ele mesmo faz questão de endossar), e a partir de todas essas desilusões resolve sair do armário e abraçar o gay-wayoflife. Na tentativa de manter o luxuoso estilo de vida (porque "ser gay é relmente caro"), ele passa a aplicar golpes, fraudar cartões de créditos e seguros, até ser descoberto e mandado pra cadeia, onde finalmente conhece o gentil e vulnerável Phillip Morris.

O corte seco, a edição e a fotografia ajudam a compor os objetivos do ótimo roteiro de John Requa e Glenn Ficarra, quando nos levam do ápice ao fundo do poço, ou do choque a risada. Mas isso de nada valeria se não fosse o ótimo elenco. É quase sempre regra dizer que comediantes são fantásticos em papéis dramáticos -- e nós bem sabemos que a carreira de Jim Carrei foi cimentada, em grande parte, na sua comédia física. E ainda que ele se esforce pra conter o seu impulso pro excesso em gesticular, talvez seja esse o seu melhor desempenho no cinema. A prova cabal de que Carrey rende muito quando bem dirigido. McGregor nos apresenta um Phillip Morris com sensibilidade, simpatia e vulnerabilidade. Destaque também para Rodrigo Santoro, que apesar das poucas aparições e falas, é o centro de uma das cenas mais bonitas do longa.

Seria demais afirmar que o filme é uma obra de arte. Ele não é perfeito. Mas é um história bonita e inteligente, que tem como pano de fundo um assunto que ainda é tratado de forma desajeitada (embora às vezes eficiente) pela indústria cinematográfica. Talvez seja mais estranho do que propriamente gay, evitando os temas trágicos de Brokeback Mountain, ou a melancolia estilizada presente em A Single Man, ou a agenda ativista de Milk. E é o que o torna especialmente cativante: a sua franqueza. Quando Steven diz a Phillip que vai jogar golfe com os colegas da empresa a sua reação é "Golfe? Mas você é gay!". O que temos aqui é uma boa tentativa de uma comédia leve em um fundo preto, com uma pitada de Billy Wilder, Ernst Lubitsch e Bill Forsyth - e que ainda assim consegue fazer de suas falhas algo interessante.

I Love You Phillip Morris! é uma história de amor do século 21 feita não só para adultos, mas para quem se preocupa com o sentimento humano. E deixa claro, de uma vez por todas, que o amor tem sua própria lógica estranha.