24 de janeiro de 2011

Let Me In


(Deixe-me Entrar, de Matt Reeves, 2010)

Ah, as armadilhas da juventude! As panelinhas na escola, os picos hormonais, a busca incansável pela verdade no intuito de saber se esse ou aquele novo amigo é apenas um branquelo esquisitão, ou se ele é realmente um vampiro... WTF?! Tá, é verdade, essa última não é tão comum quanto as outras. Mas é o caso do jovem Owen, um rapazinho franzino e solitário de doze anos que faz amizade com Abby, a nova inquilina misteriosa do condomínio em Los Alamos, Novo México. Abby também tem "doze anos, mais ou menos", como ela mesma diz, em um tom enigmático. Além da idade em comum com Owen, ela cheira engraçado, anda descalça na neve, não sente frio, e é absurdamente espetacular com o Cubo de Rubik. Se tudo isso te parece mais do mesmo, é porque realmente é: Let Me In é um remake de Låt Den Rätte Komma In, a pequena obra-prima sueca, item obrigatório em qualquer listinha de dez mais de 2008/2009.

O roteirista e diretor Matt Reeves, de Cloverfield (uhum, ele mesmo), tomou como base o texto original do sueco John Ajvide Lindqvist para a adaptação (e, inexplicavelmente, mudou todo o significado do título no processo). Ainda assim, há pequenos momentos no filme em que sinto como se rolasse uma recriação shot-for-shot da irretocável versão sueca.

Como no original, o jovem Owen – raquítico e excêntrico -- é alvo fácil nas mãos dos valentões da escola (e cá pra nós, “crianças” são realmente cruéis quando querem ser), e, como reza a cartilha, sonha todas as noites com vingança. Em uma dessas noites, enquanto observa alguns vizinhos com o seu telescópio, Owen percebe a chegada dos novos moradores do condomínio --  Abby e a figura de um homem que parece ser seu pai. A partir daí, os dois pré-adolescentes iniciam uma amizade estranha – que não passa de reuniões ocasionais no playground e idas ao que parece ser um stop shop. E é quando finalmente a pacata cidade começa a contabilizar mortes estranhas, e a polícia entra no meio para investigar.


A chave para fazer do filme algo interessante recai sobre a esquisita relação entre os dois protagonistas. E como as comparações são inevitáveis... Chloë Grace Moretz – absurdamente fantástica na pele da antológica Hit-Girl em Kick-Ass - está longe da profundidade alcançada com a interpretação de Lina Leeandersson, no original. Apesar de reconhecer que é um papel quase impossível para uma jovem atriz (afinal de contas estamos falando de um ser com uma bagagem centenária presa em um corpo de 12 anos de idade). Na versão sueca, Leandersson arrebenta as pregas adotando um olhar de mil quilômetros de desespero e vulnerabilidade. Infelizmente aqui, Moretz raramente vai além do beicinho pirracento de uma garotinha travessa que guarda um grande segredo. A exemplo do seu companheiro de cena, Richard Jenkins (uma pequena mas importante peça do quebra-cabeça) que tem o seu personagem quase esquecido por conta de um roteiro que beira o medíocre.

Mas Reeves tem uma carta na manga (para a minha surpresa e felicidade), e ele atende pelo nome de Kodi Smit-McPhee. O jovem ator é absurdamente crível e consegue – aparentemente sem muito esforço – alcançar o nível de Kåre Hedebrant, o Oskar, do original. Talvez seja algo naqueles olhos azuis arregalados, ou os malares altos com o corte de cabelo esquisito que dão a impressão de vermos um menino que foi retirado do forno muito cedo. A atuação do jovem mancebo alcança níveis tão honestos de desgosto que quase vale a pena ver o filme só por ele. Quase...


Na medida em que cada frame avançava, eu tinha mais e mais certeza do equívoco que foi escolher Matt Reeves para a direção deste remake: a cabeça por trás de Cloverfield mostra realmente ingenuidade naquilo que se propõe a fazer, tanto quando nos obriga a assistir a desorientação de sua câmera na parte traseira de um ônibus escolar, quanto na tacada de mestre que foi mostrar na TV a frase "It's 10 pm, do you know where your children are?" ao mesmo tempo em que Owen se esgueira pra fora de seu apartamento para passar a noite com Abby, enquanto sua mãe dorme no sofá da sala. Não bastasse tudo, o incansável Reeves não foi capaz em momento algum de alcançar o ar de pavor e desespero que permeiam o filme sueco. Ainda que a mudança para Los Alamos seja apropriadamente fria (em todos os sentidos), nunca parece ser tão distante e desolada quanto a paisagem suburbana de Estocolmo. Mas o tiro de misericórdia vem mesmo com o uso indecente de CGI em cenas que passariam muito bem sem ele (obrigado), distanciando definitivamente o remake para anos luz do original.

Conselho de amigo: a não ser que vampiros te assustem mais que o svenska (aka língua sueca), assista ao original. ;D