Como adaptação do best seller Reparação, de Ian McEwan, Desejo e Reparação parece fazer bonito. Como cinema, entretanto, é apenas um bom drama que não justifica o favoritismo às principais premiações, tendo já vencido o Globo de Ouro e indicado ao Oscar de melhor filme. Mas possui muitos dos elementos que agradam os membros da Academia.A história se inicia no período entre as duas grandes guerras mundiais em uma propriedade inglesa onde reside a família Tallis. A mansão, com seus cômodos escuros e ricamente reconstituídos, os imensos jardins e toda a vegetação são brilhantemente filmados por Seamus McGarvey, (diretor de fotografia que já trabalhou com Stephen Daldry em As Horas) e acompanhado com a trilha inspirada de Dario Marianelli, conduzida com base de teclas de maquina de escrever. É neste ambiente que somos apresentados a Briony, uma menina aspirante a escritora que possui um maduro talento e um olhar bastante criativo do mundo a sua volta. É com essa visão que acaba notando o envolvimento da irmã, Cecília (Keira Knightley) com um empregado, filho da governanta, Robbie (James McAvoy), e sem entender do assunto, cria uma rede de mentiras que muda o destino de todos.
Briony é vivida por três atrizes em diferentes épocas. A mais competente é a pequena Saoirse Ronan, com um desempenho firme. A grande Vanessa Redgrave faz uma ponta como a personagem idosa e ainda surpreende com seu rosto expressivo e os belos olhos azuis. Keira Knightley, que já trabalhou com o diretor em Orgulho e Preconceito, mostra que vem amadurecendo como atriz. Enquanto James McAvoy apresenta ótima atuação. O drama vivido pelos dois pombinhos é seco e ausente de sentimentos. Obviamente, não era a intenção sentimentalizar a situação.
O primeiro ato, principalmente, é conduzido com muita segurança por Joe Wright seguindo o ótimo roteiro de Christopher Hampton, com a cronologia não linear enfatizando pontos de vistas distintos e realizando belíssimas seqüências estéticas. Este último, aliás, é um detalhe que nunca se perde durante todo filme, tecnicamente perfeito. Mas a partir dos acontecimentos da ultima noite na mansão, os personagens dispersam durante a segunda guerra mundial, assim como a atenção do espectador. Por mais que a fotografia continue lançando em cena detalhes geniais de feitura plástica (como o maravilhoso plano seqüência na praia), a narrativa começa a se arrastar. Já não possui o mesmo charme de antes acompanhar os personagens centrais em lugares diversos.
Ainda existe uma atenção voltada para as conseqüências psicológicas e físicas que resultaram das atitudes da pequena Briony, que vive angustiada e corroída pela culpa desde que passou a entender como seus atos infantis conceberam marcas profundas sobre Robbie e Cecília. Essa culpa se estende a uma grande sacada no desfecho. A forma como o roteiro prega uma peça no espectador, levantando uma inteligente questão de como o cinema é manipulador. De como acompanhamos histórias que dentro das próprias histórias, elas não existem de fato.
Provavelmente, Desejo e Reparação poderia ser uma obra prima, não fosse as irregularidades narrativas. Apesar de superestimado não deixa de ser um interessante drama, pomposo e filmado com a cartilha de como ganhar o Oscar, e provavelmente deve ganhar.
por ronald